Uma pesquisa exclusiva lista as companhias com melhor reputação no Brasil — e mostra que relacionamento faz toda a diferença na hora de construir uma marca

Uma regra inegociável faz parte do pacote de entrada da fabricante de cosméticos Natura a cada nova operação que inicia fora do Brasil — não investir 1 centavo sequer em publicidade pelo menos nos primeiros quatro anos. Antes de alardear sua chegada, a empresa se dedica a estabelecer laços sólidos com parceiros locais.

O primeiro deles é sempre seu exército de consultoras, como a companhia chama suas vendedoras porta a porta. Na Colômbia, sua incursão estrangeira mais recente, tudo começou em 2007 com um grupo de algumas dezenas de mulheres. Hoje, são mais de 50 000.

Nos sete países em que atua, a Natura já soma um batalhão de 1,6 milhão de vendedores, 92% dos quais são mulheres. Ganhar a confiança de quem tem a função de embaixador da marca é crucial para que o negócio dê certo. É um fato do qual os executivos da companhia tentam se lembrar o tempo todo.

O grupo dos dez principais executivos da empresa tem metas individuais que refletem o bom relacionamento com consumidores, fornecedores e sociedade em geral. Se uma delas não é atingida, não há bônus.

“Uma boa reputação se constrói ao longo do tempo e com um relacionamento, mostrando coerência entre o que se fala e o que se faz”, diz Alessandro Carlucci­, presidente da Natura, apontada pelo segundo ano consecutivo como a empresa com a melhor reputação no Brasil, de acordo com um levantamento realizado com exclusividade para EXAME.

Elaborado pela consultoria espanhola Merco e com o apoio do Ibope, o levantamento foi realizado de fevereiro a abril deste ano, com cerca de 2 500 entrevistados.

O processo de elaboração do ranking se divide em quatro etapas. Na primeira delas, executivos de grandes empresas brasileiras são convidados a indicar dez companhias de setores diversos que consideram ter uma boa reputação e outras três do segmento em que atuam.

No passo seguinte, a lista é submetida a públicos específicos, como analistas e representantes de ONGs, que apontam as que consideram merecedoras de destaque. Após uma checagem de informações com as próprias empresas citadas, a lista é enfim submetida à opinião do público geral.

O objetivo é abarcar todas as variáveis que compõem a boa reputação de uma companhia. Trata-se de algo que vai muito além de oferecer um bom produto ou serviço no mercado. Também transcende um discurso preparado por um exército de profissionais de relações públicas.

É uma questão de manter um relacionamento ganha-ganha com consumidores, fornecedores, funcionários e acionistas. “A reputação é reflexo da percepção que as pessoas têm quando entram em contato com a empresa de alguma forma”, diz o espanhol Antonio Montero, diretor técnico da Merco (que, além do Brasil, realiza pesquisas semelhantes em outros nove países).

A sondagem Trust Barometer 2014, da empresa global de relações públicas Edelman, mostrou que 71% das pessoas acreditam que um produto de qualidade é condição fundamental para sustentar a confiança numa empresa. Mas só isso não basta.

Quase a mesma proporção de entrevistados acredita que tratar bem os funcionários, ouvir os consumidores e ter uma atitude responsável com o meio ambiente também é determinante.

Não é nada simples manter uma boa imagem diante de diversos públicos. Mas o conceito de reputação, aparentemente tão intangível, traz resultados bem concretos.

O valor de mercado de uma empresa com boa reputação é 5,5% maior do que o de uma empresa com menos prestígio, segundo uma análise de 348 companhias brasileiras realizada pelo pesquisador Luciano Rossoni, fundador do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sociais, do Rio de Janeiro.

Atualmente, 32% das empresas no país consideram a reputação seu ativo mais importante, de acordo com uma pesquisa feita com 300 companhias pela consultoria Deloitte. Segundo dados da consultoria Reputation Institute, 85% dos consumidores afirmam aceitar pagar mais por produtos vendidos por uma empresa que tem reputação superior.

Além de vender mais, essas empresas ganham em outras frentes. Várias pesquisas mostram que companhias com boa reputação conseguem diminuir custos, como em empréstimos com juros menores.

Especialistas são unânimes em apontar que tudo isso só se constrói com consistência ao longo dos anos. A fabricante de bebidas Ambev — que passou da sétima para a terceira posição no ranking da Merco neste ano — conseguiu se manter coerente no longo prazo com pelo menos uma proposta: ser eficiente.

Isso tem acontecido, mesmo quando o contexto parece não ajudar. O ano passado foi cheio de percalços para a indústria de bebidas. A produção de cerveja no país encolheu 2%. Na Ambev não foi diferente. As vendas em volume caíram 3,2%. O faturamento, porém, cresceu 6,4% e chegou a 35 bilhões de reais.

“Não crescemos só com redução de custos. Isso é quase uma obrigação, porque é o que está sob controle”, diz João Castro Neves, presidente da Ambev. A empresa investiu quase 2 bilhões de reais em inovação em 2013. O dinheiro serviu para lançar novas embalagens, como a lata de meio litro da Antarctica­, e novas fórmulas da Brahma e da Skol Beats Extreme.

Nos dois últimos anos, as ações da Ambev valorizaram 33% — nos últimos cinco anos, a alta foi de 286% —, e o valor de mercado da empresa chegou aos atuais 110 bilhões de dólares. No mesmo período, o Ibovespa desvalorizou 4%.

Segundo a consultoria Economatica, a companhia se tornou neste ano a terceira mais rentável da América Latina e dos Estados Unidos. A Ambev ficou atrás apenas da gigante de tecnologia IBM e da varejista Home Depot — e à frente de Apple, Coca-Cola e Google.

Para algumas companhias pode ser mais fácil criar empatia com certos públicos — e bem mais complicado cair nas graças de outros. Esse é claramente o caso do Itaú Unibanco, segundo colocado do ranking elaborado pela Merco. O banco, um dos queridinhos do mercado, registrou lucro líquido de 15,7 bilhões de reais em 2013 — 15,5% mais em relação ao obtido no ano anterior.

Trata-se do maior lucro da história dos bancos no Brasil. Manter uma imagem tão reluzente junto aos consumidores, no entanto, não tem sido tão simples. A companhia está em segundo lugar em reclamações no Procon São Paulo, com 1 897 ocorrências em 2013. É também um dos efeitos colaterais do crescimento — o Itaú tem hoje cerca de 40 milhões de clientes.

Para combater essa imagem negativa, uma das medidas mais radicais foi mexer na rotina do primeiro escalão — inclusive na do presidente, Roberto Setubal. Desde 2012, mais de 1 200 executivos deixam uma vez por ano o expediente normal para trabalhar por algumas horas na central de atendimento ao cliente do banco.

O Itaú também passou a premiar funcionários que resolvem problemas dos clientes. Em 2013, 3 000 foram indicados e 30 receberam um pacote de ações da empresa. Os resultados já aparecem. No ano passado, o banco conseguiu resolver 85% das reclamações registradas pelos clientes, segundo dados do Procon.

Ao mesmo tempo, o Itaú passou a investir no relacionamento com os clientes além das transações bancárias. Para isso, mantém uma rede de 56 salas de cinema em seis estados, além de um teatro e um museu em São Paulo.

Investiu também em uma rede que já oferece mais de 4 000 bicicletas de aluguel em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro — uma tática, aliás, a que o concorrente Bradesco também aderiu. “Precisamos estar próximos das pessoas”, diz Setubal.

O maior salto

De todas as instituições que aparecem no ranking, o maior salto foi do Hospital Albert Einstein — que passou da 90a para a 20a posição. Trata-se de um exemplo acabado de que é mais prudente construir relações sólidas antes de se esmerar na elaboração de um discurso vendedor.

Criado há quase 50 anos e mantido até hoje como uma instituição filantrópica gerida pela ­comunidade judaica, o hospital passou muito tempo dedicado a construir silenciosamente a imagem de um centro de excelência. Só mais recentemente decidiu iniciar a expansão de seus negócios.

Desde 2009, abriu quatro centros de diagnóstico e se prepara para construir uma faculdade de medicina a ser inaugurada em 2015. Em março, o Einstein passou a ter uma visibilidade inédita ao estrear a série Médicos, no canal de televisão a cabo GNT. Durante dois meses, a rotina e as angústias de seis médicos foram exibidas para quem quisesse ver.

Uma segunda temporada está em negociação. “A iniciativa não foi nossa e não pagamos nada por isso. No começo ficamos com receio de como as pessoas iriam interpretar a exposição, mas foi bom para mostrar como somos no dia a dia”, diz Claudio Lottenberg, presidente do Hospital Albert Einstein.

Mais recentemente, o hospital passou a exibir em seu site algo que, em tese, poderia jogar contra a própria reputação: os índices de infecção hospitalar — mesmo aqueles que não estão no nível esperado. “O objetivo é reforçar a relação de confiança que temos com a sociedade”, afirma Lottenberg.

Transparência

Divulgar publicamente o que não vai tão bem assim é a medida mais extrema quando o assunto é manter a transparência. E é aí que algumas companhias parecem ganhar pontos. Movido por essa crença, o Google — que saltou da oitava para a quinta posição no ranking de reputação deste ano — decidiu abrir alguns dados até então sigilosos.

No fim de maio, divulgou pela primeira vez em 15 anos de história a falta de diversidade entre seus quase 50 000 funcionários espalhados pelo mundo. Apenas 2% deles são negros, 3% hispânicos e 30% mulheres. “É hora de sermos transparentes sobre nossos problemas”, afirmou a empresa num comunicado.

Ao mesmo tempo, a companhia abraçou algumas causas publicamente. Em abril, o escritório do Google em São Paulo distribuiu 100 camisetas estampadas com o logo da empresa para funcionários que quisessem participar da parada gay na cidade. A empresa se preocupa se um assunto ainda polêmico pode ter impacto na reputação?

“De forma alguma. Eu mesmo fui com minhas filhas ao evento. Somos a favor da diversidade, e isso precisa estar claro em tudo o que fazemos. Deixamos de ter uma postura de apenas aceitar, para estimular que as pessoas expressem suas crenças”, afirma Fábio Coelho, presidente da empresa no Brasil.

Tentar esconder problemas, sobretudo num contexto no qual a informação corre mundo afora nas redes sociais em questão de minutos, tem se mostrado desastroso. A executiva americana Mary Barra sentiu na pele os efeitos disso ao receber a missão de presidir a montadora General Motors, em janeiro.

Uma de suas primeiras — e duras — tarefas à frente da companhia foi anunciar um recall de 1,6 milhão de veículos nos Estados Unidos, devido a falhas na ignição. Alguns desses automóveis estavam nas ruas desde 2003. O defeito foi a causa comprovada de 13 mortes — e estudos mostram que esse patamar pode chegar a 300 casos. ­

Mary assumiu que o problema já era conhecido internamente há alguns anos. Ninguém, no entanto, teve coragem de torná-lo público antes. Além de pedir desculpas, ela teve de pagar uma multa de 35 milhões de dólares pela demora em avisar as autoridades e os consumidores.

“O líder é o principal responsável por assumir uma postura transparente e encarar problemas”, afirma o espanhol Montero, da Merco. A GM, que sempre esteve na lista das 100 empresas americanas com melhor reputação nos Estados Unidos, não apareceu neste ano.

“Uma crise é o teste máximo para definir a reputação de uma companhia”, diz Daniel Diermeier, especialista em reputação e professor de estratégia da escola de negócios Kellogg, em Chicago. “Ser transparente é o primeiro passo para recobrar a confiança. Mas não é fácil resgatar uma imagem manchada.” É prudente, portanto, cuidar para que ela jamais seja perdida.

Fonte: exame.abril.com.br

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